IPHAN chega a Caxias

46 - IPHAN chega a Caxias

Membros do IHGC com o Superintendente do IPHAN no Maranhão, Maurício Itapary (ao centro)

O dia 14 de janeiro marcou um momento histórico para a cidade de Caxias. Em uma solenidade no auditório do Instituo Histórico e Geográfico de Caxias, com a presença de membros efetivos, autoridades locais e sociedade em geral, o Superintende do IPHAN – MA, o geógrafo Mauricio Itapary, assinou a ordem de serviço para que a empresa vencedora da licitação faça a revitalização do complexo em no máximo 24 meses. A presença do IPHAN em solo caxiense é, sobretudo, simbólica. Sinônimo de preservação histórica e arquitetônica nacional, o órgão federal ao estabelecer uma obra sob sua orientação, deixa para a população e os gestores municipais e responsabilidade de ter um bem considerado patrimônio nacional.

Mas essa história começa bem antes e é repleta de lutas, promessas e decepções. E é importante saber o que se passou para se chegar a essa ordem e serviço.

Antes de tudo é necessário afirmar que se não fosse a atitude do dr. Arthur Almada Lima Filho, de ‘invadir’ o prédio da estação férrea da linha São Luís – Teresina, nada disso teria acontecido. O imponente prédio desde que fora desativado como estação, estava abandonado servindo de espaço de prostituição e encontro de usuários de drogas. O seu destino era o mesmo que os demais que fazem parte do acervo arquitetônico caxiense: destruição total.

Desde 2008, quando o IHGC ocupou suas dependências, vem-se tentando manter de pé parte da história de nossa cidade. Ainda assim existiam patologias em sua estrutura que necessitavam de reparos urgentes. Em 2013 um sopro de esperança chegou à cidade quando no auditório do IHGC, a então Superintende do IPHAN-MA, Kátia Bogéa, anunciou recuperação de parte do complexo ferroviário maranhense, o que incluía nossa cidade de Caxias. Um projeto arquitetônico que custou mais de cem mil reais fora feito por uma empresa de Belo Horizonte aguardando apenas sua execução. Os anos passaram, outras estações como a da cidade de Codó foram reformadas e inauguradas, enquanto Caxias continuava da mesma forma. Só muito tempo depois soubemos o motivo de Caxias não ter sido contemplada com a obra. A velha política que sempre nos custou bem caro, onde um mandante municipal é contrário ao estadual as coisas ‘não andam’ e assim, a contrapartida municipal para que a obra fosse tocada, sequer chegou a ser levada em consideração. Com o projeto debaixo do braço só nos restava aguardar.

Enquanto o Instituto sofria para manter suas atividades, sem nenhum recurso ou ajuda externa, vivendo apenas das mensalidades dos membros e sócios beneméritos, os problemas estruturais seguiam. E graças à intervenção do professor Jhonatan Almada, Reitor do Instituto Estadual de Educação, Ciência e Tecnologia do Maranhão – IEMA, que o piso superior do IHGC não veio abaixo (segundo próprio engenheiro responsável pela obra). Uma reforma fora feita em 2018 nos salvando de um grande prejuízo.

Nas solenidades, no tradicional café da manhã ou no bate-papo diário do IHGC, o assunto sempre era a ‘futura obra’ que nunca chegava. O confrade Frederico Brandão, durante todo esse tempo, fazia uma peregrinação até a sede do IPHAN atrás de novidades e de alguma notícia boa. A resposta era sempre a mesma: manter a calma e esperança.

Até que em 2019 nosso Presidente recebe uma notícia que aguardamos a anos. Graças a recursos obtidos pelo Ministério da Justiça através de decisões judiciais (Fundo de Defesa de Direitos Difusos – FDD) foi aberto um edital para financiar projetos culturais pelo país. O projeto de Caxias, que já estava pronto, conseguiu ser inscrito pelo IPHAN-MA, onde acabou sendo contemplado.

Todos aqueles que diariamente lutam pela preservação da história desta cidade conhecem as dificuldades que é para ser ouvido. Uma peregrinação torturante em meio a desinteresses de muitos e interesses particulares de poucos, sempre em favor de si. E quem não conhece essa luta deveria conhecer, pois também interfere no direito de todos, inclusive no simples ir e vir. Uma obra sob orientação do IPHAN em Caxias é um aviso de que é importante sim, preservar e, sobretudo, manter um imóvel histórico devolvendo-lhe vida, uso e ocupação.

O nosso muito obrigado ao Dr. Arthur Almada Lima Filho e aos confrades do Instituto Histórico e Geográfico de Caxias.

E a rotatória maluca acabou

rotmal1

Na manhã de hoje (08/09) eu tive uma grata surpresa ao transitar pela Avenida Senador Alexandre Costa. A rotatória ‘sem pé nem cabeça’ finalmente estava sendo removida pela Prefeitura Municipal. Essa rotatória era uma das intervenções urbanas mais malucas que já inseriram no trânsito da cidade. E olha que ideias malucas e bizarras no urbanismo de Caxias são o que não faltam. Quem aqui se lembra de quando colocaram quebra-molas no meio da ladeira do Morro do Alecrim? E um quebra-molas abaixo de semáforo na Praça Panteon? E quebra-molas que existem até hoje nas avenidas para impedir automóveis de andar rápido em pista que deveria ser de trânsito rápido?

Infelizmente nem só irritação essa ‘rotatória maluca’ causava. Os acidentes ali registrados já causaram óbitos, além de inúmeras batidas entre carros e motos causando perdas materiais em ambos os lados. Freadas bruscas eram rotineiras, além dos veículos entrarem constantemente na contramão. Por anos aquela rotatória estava ali, irritando e confundindo os condutores de veículos.  Mas por que, diante de tantos problemas visíveis, ela foi construída e nunca fizeram nada para removê-la?

Para responder essa pergunta é necessário entender o procedimento padrão das políticas urbanas na maior parte das cidades brasileiras: a falta de planejamento, sua execução adequada e, principalmente, qualificação profissional. Na ausência de planos diretores, de mobilidade, de um estudo aprofundado sobre a cidade e seus problemas, essas intervenções executadas pelo Poder Público não passam de soluções paliativas para dar a impressão de organização espacial. Em alguns casos cidades até apresentam esses planos, porém, raramente eles saem do papel como deveriam e passam a ser relativizados, geralmente por influência política e do setor imobiliário, sempre favorecendo seus interesses particulares. Isso se dá muitas vezes devido ao desconhecimento técnico por parte de gestores, que assumem determinada pasta técnica por indicações políticos partidárias. E assim, intervenções necessárias a sociedade sequer são propostas ou na maioria das vezes, executadas de forma irregular. Foi o caso da ‘rotatória maluca’.

Uma rotatória tem uma função. É organizar e distribuir de forma adequada o trânsito de veículos quando vias se interligam ou se cruzam. Você não pode construir uma rotatória por questão estética. O Código Brasileiro de Trânsito trata da rotatória e suas preferencias quanto ao sentido dos veículos. As rotatórias diminuem os conflitos. E a função da antiga rotatória da avenida era gerar conflitos.

Se a ideia era construir uma rotatória para facilitar o trânsito na avenida e torna-la ponto de distribuição, interligando os bairros, isso nunca aconteceu. Os retornos ao longo da avenida foram mantidos, o que tornara a rotatória inútil quanto a essa função. Se os carros continuaram parando e entrando nos retornos, qual o sentido de ir até a rotatória? Ela acabou se tornando mais um retorno.

Nem mesmo a interligação entre os bairros Dinir Silva com a Vila Lobão a rotatória conseguia ter sucesso. A Rua Colinas ficou recuada, o que fazia com que o veículo, vindo no sentido BR-316 entrasse na contramão para poder ter acesso a Vila Lobão. Isso mesmo. A rotatória convidada o condutor a entrar na contramão (Seta vermelha). E quem seguia da Rua Colinas no Dinir Silva para a Vila Lobão entrava em duas contramão (seta amarela). Em horários de pico a rotatória virava um verdadeiro terror.

rotmal2

Felizmente essa maluquice chegou ao fim.

Agora é necessário um alerta. As intervenções urbanas em Caxias não podem ser feitas aleatoriamente como sempre foram. Existe uma necessidade de interligar os bairros e o trafego daquela avenida que é uma das principais vias urbanas de Caxias. E como deve ser feita agora? Com estudo e planejamento técnico.

A arquitetura invisível de Caxias

Tema recorrente em meus artigos ultimamente é mostrar como a cidade de Caxias vem perdendo o dialogo com seu cidadão, tanto na questão urbana como na patrimonial.

A mensagem que a cidade nos passa é a de um aglomerado cada vez mais confuso, conflituoso e inquietante para quem trafega por suas ruas e calçadas. Não é só se desviar de entulhos, buracos, rampas ou automóveis estacionais irregularmente. O espaço urbano é muito mais do que isso. Mas são esses pormenores que estão visíveis ao cidadão.

Só para quem tem um conhecimento histórico e técnico é capaz de transcender essa problemática, indo além dos gritantes engenhos publicitários que ficam acima das portas dos comércios, quase tomando toda a volumetria de um edifício. Ainda assim é difícil encontrar os elementos arquitetônicos, pontos fundamentais do nosso patrimônio, para se ter uma ideia da condição de seu estado de conservação. O risco é de, na falta dessa visualização que muitas vezes são propositais, não se sinta falta e se perca para sempre.

A arquitetura que está invisível ao caxiense é aquela que ainda resiste ao tempo e a ação irresponsável do homem. São aqueles traços que são capazes de gerar em uma sociedade ou um determinado grupo, transformações sociais e outras perspectivas de construção positiva para a cidade.

Confira em dez imagens como a falta de regularização atrapalha a construção de uma cidade harmoniosa, escondendo seu valor cultural e social.

 

Invisivel 01

O casarão colonial datado do início do século XIX, localizado na praça Gonçalves Dias, é um dos mais belos exemplos do casario colonial português existentes no interior do Maranhão. No século seguinte, parte de sua fachada foi revestida de azulejos europeus, também datados do século 19, feitos em revelo. Esses azulejos, que ajudam a contar a rica história de Caxias, está catalogado no inventário de patrimônio azulejar do Maranhão. Mas nem isso foi capaz de garantir que os azulejos e o prédio em si, fossem preservados. Muitos deles estão escondidos atrás de revestimentos como esse da foto, descaracterizando totalmente o imóvel.

 

Invisivel 02

Imóvel colonial situado na praça Gonçalves Dias com rua Afonso Pena. Assim como o sobrado, esse imóvel também do século 19 faz parte do acervo patrimonial do casario colonial português, típico dos quarteirões da época e que foi repetido nas décadas seguintes, copiando sua arquitetura na expansão de Caxias. Seus elementos arquitetônicos como beiral e base de cunhal estão escondidos no imenso engenho publicitário e outros materiais, além do revestimento cerâmico na cor branca, inadequado para esse caso. A leitura que o cidadão faz é de um imóvel sem vida, de padrão comum, longe de qualquer vínculo com a cidade.

 

Invisivel 03

Esse imóvel na praça Gonçalves Dias com a rua Fause Simão esconde um dos elementos mais significativos da arquitetura caxiense: A ogiva na porta da fachada. Esse tipo de elemento arquitetônico foi catalogado pelo IPHAN e Caxias, um dos principais centros de influencia desse tipo de arquitetura ainda no século 19. Como é possível conferir na foto, a ogiva está escondida atrás do engenho publicitário.

 

Invisivel 04

Mesmo imóvel continuando pela rua Fause Simão. O padrão segue o mesmo dos engenhos publicitários nas fachadas, mas aqui é possível ver partes da ogiva.

 

Invisivel 05

Imóvel do século XIX onde teria residência e comercio o português Augusto José Marques, e onde teriam nascidos Cesar Augusto Marques (médico e intelectual) e Augusto Cesar Marques (farmacêutico e também intelectual), ambos caxienses ilustres. O beiral, típico desse tipo de construção colonial, permanece escondido atrás do engenho publicitário.

 

Invisivel 06

Os imóveis vizinhos da casa de Cesar Marques pela travessa José Guimarães, também datados do mesmo período, são do mesmo padrão colonial português. Alguns são visíveis os beirais e outros seguem escondidos.

 

Invisivel 07

Imóvel possivelmente da virada do século 19 para o 20. O elemento arquitetônico conhecido como ‘platibanda’ possivelmente foi adicionado anos depois de sua construção, pois o beiral era solução da arquitetura colonial e ainda servia como elemento de destaque social. Quanto maior o beiral da residência, mais rico era o seu proprietário. Foi dai que nasceu a expressão ‘eira e beira’, pois quem era pobre não tinha eira nem beira. Na platibanda e possível ver detalhes em formato de rosas que passam quase desapercebidos. No sobrado ao lado, em que funciona uma famosa lanchonete, parte da arquitetura Art Decó, vinda da Europa pela década de 1930/40, também permanece parcialmente escondida devido ao imenso engenho publicitário. Local: Rua Afonso Cunha (Calçadão).

 

Invisivel 08

Rua Afonso Cunha com Praça da Matriz. A primeira foto é recente com o gigante engenho publicitário a mostra. A segunda foto foi captada em 2004, onde é possível ver os detalhes da bela platibanda com elementos da arquitetura Art Decó e ainda nome do construtor e data, elementos característicos da arquitetura caxiense.

 

Invisivel 09

Rua Aarão Reis. Assim como a foto acima, a primeira imagem é mais recente e a segunda datada de 2014. Os azulejos que revestem o imóvel, datados do século 19, estão escondidos atrás dos engenhos publicitários (e se ainda estiverem lá). Quem trafegar pela rua e dar uma espiadinha por cima, ainda é capaz de visualizar alguns.

 

Invisivel 10

Bela platibanda de um imóvel na rua Aarão Reis. Só mesmo dando um zoom na imagem é possível conferir os detalhes, como a data 1919 e outros elementos arquitetônicos, escondidos pelos engenhos publicitários e a confusão de cores em sua fachada.

A reconstrução da casa de Gonçalves Dias

No momento em que a sociedade brasileira está chocada com a destruição do acervo do Museu Nacional no Rio, trago uma crônica que escrevi em 2013 sobre a casa de Gonçalves Dias. A demolição da casa do poeta talvez tenha sido a nossa tragédia maior e que nunca recuperamos. Segue abaixo:

 

foto 7

Sobrado em que residiu Gonçalves Dias e família na então Rua do Cisco. Imagem sobreposta a uma foto da rua atualmente. Exposição ‘Caxias Ontem e Hoje’ em exibição no Memorial da Balaiada.

 

“Neste 31 de agosto estive presente na Academia Caxiense de Letras no evento comemorativo de seus 16 anos de fundação. Entre os diversos palestrantes que ali usaram da oratória, ouvi atentamente as palavras proferidas pelo imortal Edimilson Sanches sobre nossa Caxias. E entre algumas propostas voltadas para o seu potencial turístico defendeu com veemência a reconstrução da casa de nosso maior poeta, Antônio Gonçalves Dias.

Atualmente nem o mais atento turista, historiador ou admirador do poeta consegue localizar o local em que o poeta residiu com sua família nos seus primeiros anos de vida sem o auxílio de algum especialista da cultura caxiense ao seu lado. Não existe uma referência sequer nesta rua (que aliás já mudou de nome). Nem uma simples placa informando que ali transitava o poeta das selvas. A casa de sua família, datada pelo menos desde a década de 1820, ficou de pé por cerca de 150 anos até no fim da década de 1970 a derrubaram. Sim, a derrubaram. Não caiu pela ação do tempo não. Derrubaram mesmo. A casa hoje em dia é de arquitetura contemporânea, de materiais de construção modernos, não se aproveitando nenhuma parte estrutural do antigo casarão. Se não tem placa informativa na rua, muito menos uma outra no local da antiga casa.

Na histórica Caxias existiram diversos casarões no período colonial e muitos deles já foram demolidos. Dois restam, que é o edifício Duque de Caxias na praça Gonçalves Dias e o da família Lobo, no início da rua Aarão Reis com a Praça Cândido Mendes. Mas nenhum teria tanta importância para nossa cultura quando a casa da família Dias. Logo essa que deram um fim. Sua feição de arquitetura portuguesa, com porta e três janelas no terreno em que o velho João Manuel Gonçalves Dias mantinha comercio e suas janelas no pavimento superior, em que residiam sua família, não só contam a história do poeta mas também é uma das linhas que contam a nossa imponente cidade que era um verdadeiro polo comercial e intelectual do século XIX no Brasil. Levantar essas paredes novamente vai além de ser uma ode a Gonçalves Dias. É também valorizar a nossa história, arquitetura, urbanismo e cultura.

Aquela janela que a tantos anos resistiu a ação do tempo, o seu ir e vir de fechar dia e noite, sol e chuva, de vento frio ao mormaço, quem sabe foi o local em que o jovem Gonçalves Dias observava e se encantava pelos sabiás que transitavam pelos céus cantando. Quem sabe, ali daquele sobrado, ele admirava aquele pássaro e que anos depois bem longe, já estudante em Portugal, relembraria com saudades de sua terra e escreveria o canto que o imortalizou descrevendo as palmeiras e os pássaros de sua cidade natal. Trechos que de tão significativo para a representatividade local, está inserido no nosso Hino Nacional: “Nosso céu tem mais estrelas / Nossas várzeas têm mais flores / Nossos bosques têm mais vida / Nossa vida mais amores”. Esse universo espacial, que para ele era Caxias, virou para todos os brasileiros uma referência de seu próprio lar.

 

Recentemente estive na cidade de Ouro Preto-MG e entre tantos exemplos de preservação de seu rico patrimônio, visitei a casa do mártir da Inconfidência Mineira, Joaquim José da Silva Xavier, nosso popular Tiradentes. Lá estava ela, de pé novamente décadas depois de sua destruição.

A casa original foi totalmente demolida no ano de 1792 por ordem da Rainha de Portugal, D. Maria I, após a sua execução. Tiradentes, seus filhos e netos foram declarados infames. Seus bens tomados pela Coroa e o terreno foi salgado para que nada mais nascesse ali.

O Auto de Devassa que consta a sentença de Tiradentes diz o seguinte: “a casa em que vivia em Villa Rica (atual Ouro Preto) será arrasada e salgada, para que nunca mais no chão se edifique e não sendo própria será avaliada e paga a seu dono pelos bens confiscados e no mesmo chão se levantará um padrão pelo qual se conserve em memória a infâmia deste abominável Réu”.

Por proposta no ano de 1928 a casa foi reconstruída e em 1935 instalada a sede da Associação Comercial e Empresarial de Ouro Preto do que seria seu formato original em memória do homem que se tornou um dos heróis dos ideais republicanos. O herói brasileiro tinha de volta sua residência. O visitante a procura do saber, de beber do conhecimento, tem sua fonte ali instalada no mesmo local em que ele saia todos os dias para seus afazeres cotidianos antes de se tornar um revolucionário. E tornando-se um, ali passou a sonhar por um Brasil livre das amarras das opressões do reino português.

Existem diversas residências de personalidades, poetas ou não, que se transformaram em museu aqui no Brasil e pelo mundo. Quem for a capital da Holanda por exemplo, e não ir na casa em que a família da jovem Anne Frank ficou escondida dos nazistas, não foi a Amsterdã. É possível o visitante conhecer o interior do imóvel que virou museu, a história da jovem e o pequeno espaço em que ficaram enclausurados em que ela escreveu o seu diário.

No Rio de Janeiro a casa que pertenceu a Rui Barbosa foi transformada em museu. Além do guardar o acervo e propagar a obra do imortal baiano, a Casa mantém biblioteca, centro de pesquisa e acervo de vários escritores brasileiros. Um caxiense também teve essa honraria de ter sua residência transformada em um centro cultural lá no Rio. O escritor Coelho Neto teve seus objetos pessoais, imóveis e escritos disponíveis para visitação e pesquisa no bairro das Laranjeiras.

 

Assim também merecemos ter o espaço nosso grande herói reconstruído. Não que isso seja fundamental para manter a figura de Gonçalves Dias. Não, senhores! A sua imagem ou obra são muito maiores e resistentes do que qualquer estrutura física onde nenhum martelo, com o peso da irresponsabilidade e ignorância, conseguiria derrubar. Mas sim recuperar o seu lugar de memória que permanece vivo. E qual outro lugar para venerarmos sua figura que não seja onde estava o seu casarão?

Uma vez esse espaço consolidado como físico, assentaria uma base firme para as novas gerações de caxienses no amor e dedicação a sua própria história.  Ampliaria a busca pela obra do poeta. Demonstraria a vontade e capacidade de gerir o seu acervo patrimonial e consequentemente, ganharíamos potencial turístico. Seria um importante passo para consolidar Caxias como espaço aberto as tradições das letras e poesias.

A reconstrução da casa de Gonçalves Dias talvez preenchesse o vazio que a cidade vem deixando a memória de muitos de seus filhos, principalmente o mais ilustre, que leva o nome da cidade de Caxias a todos os cantos do mundo”.

 

Atualização: Na visita do então recém empossado Bispo da Diocese de Caxias, Dom Sebastião Lima Duarte, a Academia Caxiense de Letras no dia 27 de fevereiro de 2018, estive junto com outros membros da casa o recebendo para conhecer a Academia, seus membros e a nossa atuação no campo cultural da cidade. Assim que Dom Sebastião recebeu as primeiras informações da arquitetura de nosso imóvel e nosso trabalho no meio literário e cultural, ele nos indagou: existe um museu dedicado a Gonçalves Dias na cidade? Nos entreolhamos com certo nervosismo, pois temos ciência de que a cidade falhou em nunca ter tido essa honraria. A cidade que tanto orgulha de se vender aos que aqui chegam de cidade dos poetas, não tem nada edificado (exceto os bustos nas praças) em memória a nossos caxienses ilustres. Lamentos foi o que respondemos a Dom Sebastião de certa forma constrangidos.

 

Texto: Eziquio Barros Neto

Entrevista

entrevista1

O poeta Carvalho Junior conversa com Fernando Braga sobre o poeta caxiense Déo Silva.

 

CJ: Fernando, meu caro.  Satisfação imensa poder conversar contigo a respeito de Déo Silva, um expressivo poeta brasileiro, meu conterrâneo [natural de Caxias-MA],  sobre o qual tenho me debruçado em pesquisas com o objetivo de publicar a obra reunida dele daqui a algum tempo. Tiveste a oportunidade de conviver com Déo. Conte-nos sobre como começou essa relação e como esta se desenrolou e se esticou ao longo do tempo.

Saberia dizer se o nome Déo é um apelido de infância ou foi um nome literário pensado por ele, o nosso ilustre Raymundo Nonato da Silva? Grande parte dos Raimundos que conheço são grandes homens. O nome parece que ajuda. Fazendo referência ao poema multifacetado/drummondiano, ser Raymundo e ainda com “y” – no caso de Déo – me parece uma ótima solução [risos]. Essa grafia com “y” era uma grafia da época em que ele nasceu (final da década de 30)?

FBMeu caro Carvalho Junior, de início, devo-te dizer que o prazer é meu em te atender nessas perguntas sobre o nosso Déo Silva. Evidentemente que me coloquei ao teu dispor para fazer um bate-bola do que sei sobre o poeta. Creio que Déo seja um abrandamento de afeto usado em família, porquanto todos o chamavam assim… Sobre o Raymundo com “y”, conheci um outro,  que além do “y” do Raimundo, ainda grafava o Nonato, com dois enes. Não acredito ter sido o pai, neste caso, de ambos, que tenham feito essas exigências ao cartório… deve ter sido o estilo requintado de algum escrivão metido a besta… Déo não seria a solução nessa assertiva drummoniana e muito pouco a rima…

CJ: Embora tenha partido cedo para outra dimensão, Déo nos deixa uma obra importante.  No teu artigo de agosto de 1973, Fernando,  publicado no Jornal O Estado do Maranhão, tu comentas com propriedade a obra do autor de “Ângulo noturno” (1959) e “Equação do verbo” (1980). Que contribuição Déo deixa com sua produção? E o que poderia justificar esse hiato entre a publicação destes dois livros citados?

FBA contribuição de Déo é grande na nossa história literária, nessa nossa fase de ouro que foi sem dúvida o grande enfoque da geração de 60. No mundo, os hippes, os Beatles… no Brasil, os grandes festivais da TV Record de Geraldo Vandré, Edu Lobo, Chico Buarque, Caetano, Gil, etc. todos egressos das Universidades, a construção de Brasília, o futebol do Brasil a encantar o mundo, a era romântica do “Fusca”, a revolução de Glauber Rocha no teatro e o aparecimento do movimento “concretista” nas artes. Isso nos pegou em cheio, todos nós respirávamos essa energia artística… E dessa fase, todos, no Maranhão, têm um nome garantido no panteão. A contribuição foi grande e a revelação de valores impressionante. Esse espaço entre uma publicação e outra, em mais de vinte anos, no caso de Déo, em particular, atribui-se ao seu afastamento de São Luis… Ele foi aprovado no concurso do Banco do Brasil e foi lotado na cidade de Tefé, no Amazonas. Aqui faço um parêntese para dizer que de Tefé, o poeta trouxe algumas receitas feitas pelo médico Ernesto Guevara de La Serna, o “Che” revolucionário, quando andava pela Amazônia peruana e boliviana… Ele pegou ou comprou de alguém como documento histórico… Bem, voltando o fio à meada, nós tínhamos uma cobertura editorial fantástica através do Departamento Cultural do Estado, dirigido, à época, por Domingos Vieira Filho. Certa vez, acompanhei o escritor Erasmo Dias [uma espécie de orientador nosso] que já levava Deo Silva, a Palácio, ao gabinete do Sarney quando este era governador, para que ele, Sarney, determinasse a impressão de “Escada de Betel”, autorização que se deu de pronto. Logo depois, como disse, Deo era aprovado no Banco e ausentava-se de São Luis. Agora pergunto, e esse livro? Ele mudou o titulo? O que houve? Concluo: hoje, “lá da China” eu mando os originais pelo e-mail para ti em Caxias e o livro sai dentro de uma semana… Naquele tempo nem “DDD” existia, era tudo na “carta” a comunicação era à moda antiga… Tudo isso dificultava.

CJ:  O nosso grande e querido Salgado Maranhão me comentou há algum tempo que Déo apresenta uma linguagem incomum e muito bem trabalhada. Analisando a obra de Déo, percebemos o grau de exigência dele com a palavra e como estava antenado com a produção mundial. Que autores Déo admirava ou lia com mais frequência?

FBReputo Déo Silva um purista da língua. Realmente, o Salgado Maranhão disse bem. Deo trabalhava muito bem a palavra e nisso o fazia com arte. Ele tinha um filólogo à tira colo, nada mais, nada menos do que Amaral Raposo, que o tinha como filho. Foi Amaral que o preparou para o concurso do Banco do Brasil, e costumavam há passarem muito tempo juntos nesses exercícios de gramática e lingüística. Quanto à leitura nos era recomendado a ler tudo que nos caísse às mãos, até propaganda de “capivarol”. Não se lia nada direcionado… Mas lemos muito! Digo nós, porque Erasmo, aqui já referido, sempre me orientou nesse sentido. Os nossos mestres eram da geração de 30 e não como pode parecer os da geração de 45. Eu sou da geração de 60, já Déo, Nauro e Carlos Cunha [todos nascidos nos anos 30], são catalogados mais para 45 do que para 60. São intermediários entre uma e outra… Mas tanto essa geração intermediária como a de 60 tinham um apego especial com a geração de 30  não com a de 45, como seria natural, por ser a mais próxima.

CJ: Milson Coutinho no livro “Caxienses Ilustres” fala sobre Déo como figura obrigatória do nosso panteão e da facilidade que o poeta tinha para fazer amizades. Você foi um dos importantes amigos de Déo. Com quem mais do meio literário Déo se relacionou de forma fraterna, participando de algum tipo de movimento ou atuação na cena literária?

FBDéo era uma figura encantadora. Inteligente, comunicativo e brincalhão. Circunstâncias para se fazerem amigos sempre… Se relacionou com todos de seu tempo. Era por todos queridíssimo.

CJ:  Comente sobre a peregrinação de Déo dada a sua vida de funcionário de banco. Além do Maranhão, estado natal do nosso poeta, por quais estados brasileiros ele deixou a sua marca biográfica ou literária?

FB – Meu querido Carvalho Junior, não conheço o “périplo” [nome escroto] traçado por Déo na sua carreira bancária. Sei apenas que “jornal” para o escritor é como cachaça para o biriteiro”. Tendo um no lugar, o escritor está lá… e Déo tinha uma paixão por Jornal. Acredito que em toda cidade que serviu, se tinha um jornal, ele deixou lá uma produção e, conseqüentemente, seu nome. Ele tinha uma voz muito bonita, e certa vez, na Rádio Ribamar [já extinta], ele me disse que o “negócio” dele não era rádio, mas jornal…

CJ:  Já encontrei publicações de Déo em suplementos literários da capital São Luís e texto inédito em jornal do estado do Amazonas. Tenho contado com várias contribuições nesse início de pesquisa. Aproveito para agradecer a você, Fernando Braga, aos amigos Natinho Costa Fênix, Francisca Girlene, Ezíquio Barros Neto, Inês Maciel, Heloísa Sousa, Edmilson Sanches, Carlos Jorge, os irmãos Wybson e Naldson Carvalho­­ e outros colaboradores que por um lapso de memória não consigo citar neste exato momento de nossa conversa. Déo era ligado ao rádio e ao esporte conforme identificamos nas referências até então encontradas. Saberia dizer se Déo tinha preferência por algum clube de futebol brasileiro ou do mundo?

FB – Meu querido Carvalho Junior, “agora me apertaste sem me abraçar”… Não me lembro de maneira alguma ter conversado futebol com Déo… Eu como sou luso-brasileiro sempre sofri com o Vasco da Gama.

CJ: O poeta Wybson Carvalho sempre se emociona ao falar de Déo e cita um poema não transcrito em livro, apenas oralizado, “Noite ludovicense”. É um texto que foge um tanto ao exigentismo verbal de Déo mas que revela uma grande sacada. Segue o texto tal como Wybson cita nas rodas de poesia: “São Luís, um beco escuro, um ladrão e eu:/ — Mãos ao alto… a bolsa ou a vida!/ — Consulte-as, ambas estão vazias.”.  Fique à vontade para comentar o texto ou citar algum texto de Déo de sua predileção, uma espécie de “poema de cabeceira”.

FB – Fico a dever-te essa! Tem uma imagem poética muito bonita, creio que dele, se puderes, confirma para mim: “Quem vê a face de Teresa, não morre nunca!”

CJ: A minha gratidão e a minha estima por todas as contribuições e por este início de conversa que ainda terá muitos e novos desdobramentos. Sigamos dialogando. A obra de Déo é valiosa e merece ser conhecida pelo mundo. Maranhão de abraços, Fernando. Até uma próxima.

FBAté mano velho! Eu te agradeço a dupla alegria: poder te atender nesta pouca contribuição, e falar de Déo Silva ou o “mundiquinho de seu Jefferson” como o sacaneava Erasmo Dias. Trago Deo no coração. Tenho muita saudade dele. Até a próxima!

O pintor de asfalto

los angeles

Quando eu era garoto em Caxias pela década de 90, ouvi a história de um político piauiense que tinha como proposta de campanha nas eleições municipais, pintar o asfalto de Teresina de branco para amenizar o calor da capital. A ideia parecia estapafúrdia e por muito tempo alimentou o folclore político de promessas hilárias e absurdas.

Era o engenheiro Alberto Tavares Silva. Prefeito de sua cidade natal Parnaíba por duas vezes, Governador e Senador também por duas vezes, além de Deputado Estadual e Federal. À frente do Governo do Estado desenvolveu a malha viária do Piauí, ligou cidades, incentivou o turismo piauiense com a criação da PIEMTUR (Empresa Piauiense de Turismo), criou o Parque Zoo botânico, construiu a nova rodoviária em Teresina, o estádio de futebol ‘Albertão’, implantou a Universidade Federal do Piauí, construiu o parque aquático Potycabana, e a linha de metrô da capital. Mas nunca foi eleito prefeito da capital.

Alberto Silva não era nenhum aventureiro com ideias mirabolantes e populistas. Longe disso. A ideia de pintar o asfalto da capital, dando aquele tom estranho as ruas e avenidas, com certeza viraria anedota no meio político por muito tempo – como de fato virou. Não seria qualquer político a apresentar uma ideia dessas. Mas sua formação em engenharia civil, sua experiência na área da construção, assumindo diversos cargos nesse setor antes de entrar na política o fez ter certeza que isso ajudaria a amenizar a temperatura da cidade.

Usar a cor branca no telhado de uma residência é comum nas construções. Principalmente quando abandonamos o telhado cerâmico e seu alto pé direito, herdado da arquitetura colonial do século XIX (que dá um maior conforto térmico), para adotarmos a laje de concreto. O branco ajuda a refletir com maior facilidade os raios solares fazendo com que a temperatura de um ambiente interno seja mais agradável e ainda se economizando o uso de energia elétrica.

O que me fez lembrar dessa história de garoto foi a reportagem recentemente veiculada de que a cidade americana de Los Angeles está pintando o asfalto de um cinza claro para amenizar as ondas de calor que afetam a região sul do estado americano da Califórnia.

Chama-se CoolSeal, uma espécie de tinta produzida pela indústria bélica que servia para camuflar aviões de satélites espiões. O produto que reflete os raios solares foi aperfeiçoado para servir em áreas civis, como as ruas. Os técnicos descobriram que em vias pintadas a temperatura chega a ficar 9º mais frescos do que em áreas asfaltadas sem sombras nas proximidades. Aplicada em grande escala pela área urbana, a temperatura da cidade pode cair até 2º Celsius.

O asfalto é um grande acumulador de calor. Durante o dia a camada asfáltica absolve o calor dos raios solares e o libera até mesmo tarde da noite. Isso faz com que a sensação térmica nessas proximidades continuem em alta temperatura.

Mas nós caxienses fomos ensinados por nossos governantes de que o asfalto é a modernidade. Seria o oposto de uma área rural. Ter asfalto na rua é um status social, é inclusão social. É uma forma de dar a rua a vitalidade urbana necessária para a valorização do imóvel.

Enquanto Alberto Silva tentava amenizar o calor de Teresina, aqui nós asfaltávamos com muito orgulho as nossas vias em pedra e paralelepípedo do centro histórico. Era a modernidade chegando na terra de Gonçalves Dias. As portas abertas para a cidade receber o século XXI, deixando de lado tudo que se acreditava ser um empecilho para o seu desenvolvimento, relegando o seu passado histórico e ignorando o planejamento urbano.

Caxias está localizada na região mais quente do Brasil que é o nordeste, onde sua zona urbana está em uma ‘ilha de calor’, cercada por morros. Não temos como fugir do calor, mas podemos buscar meios de amenizar as altas temperaturas e a sensação térmica que é ainda maior. Existem soluções para amenizar parte do problema, antes de gastarmos verbas importando tintas e abrindo licitações para empresas explorarem o serviço.

O mais prático seria um plano de arborização nas vias para sombreamento de avenidas e vias de grande tráfego. A sombra refresca uma área consideravelmente, pois filtra a incidência de raios solares no asfalto, ajudando no conforto térmico de pedestres e ciclistas.

Vias de trafego locais ou secundárias (vias de distribuição de bairros residenciais de menor circulação de veículos) poderiam ser de paralelepípedo ou de material que permita a penetração da agua no solo em maior porcentagem, como bloquetes.

A lei de Zoneamento e Uso e Ocupação do Solo, com um Plano Diretor atualizado nessas questões, são instrumentos que auxiliam o Poder Público a desenvolver a cidade de forma responsável. São leis e normas que dão responsabilidades a proprietários de terrenos e imóveis a controlar a construção, evitando que a área construída seja acima da permitida (evitando maior impermeabilização do solo).

Isso faz com que o vento circule de forma equilibrada pela cidade, a agua escorra com maior penetração no solo, o sistema viário seja distribuídos de acordo com as necessidades produzindo menos poluição.

Quem sabe agora a ideia de Alberto Silva, o pintor de asfalto, não seja estúpida como achavam na época.

 

Texto: Eziquio Barros Neto – arquiteto e urbanista

Cenas de um filme em Caxias

joao5a

Cena do filme: Casamento de João da Grécia com Maria, na igreja Nossa Senhora dos Remédios em Caxias.

No dia 10 de agosto deste ano fui a praça Gonçalves Dias para as festividades de 194 anos do nascimento de nosso poeta. Lá encontro com o então futuro confrade de Academia de Letras, Edmilson Sanches. Batemos um bom papo sobre o que sabemos de melhor, que é a nossa velha e querida Caxias. Entre os desafios que a cidade precisa enfrentar e o que cada um faria, caso tivesse esse poder, sempre destacamos o que a cidade tem de melhor a oferecer e é negligenciado. Caxias tão rica em história que todos os caxienses (pelo menos acredito) conhecem bem, também está no cinema. Sanches me falou sobre diversos filmes que incluíam Caxias em seu roteiro ou com alguma ligação indireta. Como o primeiro filme em série produzido no Brasil, ‘Contos do Rio de Janeiro’, com roteiro e direção do nosso conterrâneo Coelho Neto.

Passou alguns dias até que no início de setembro voltamos a nos falar por um outro motivo qualquer, mas sempre aquele papo agradável sobre a situação de nossa cidade de como é pouco aproveitada para o turismo. E voltamos novamente a sétima arte. E dessa vez resolvi ir atrás de um dos filmes que ele me contou: ‘A Faca e o Rio’, baseado no livro do maranhense Odylo Costa, filho.

O livro

joao2‘A Faca e o Rio’ é uma novela publicada em 1965 e considerada a sua obra mais notável. Passados na década de 1920, o livro conta a história do velho viúvo João da Grécia (Jofre Soares), casado com a bela jovem Maria (Ana Maria Miranda) de vinte anos de idade. Ao ver seu desejo de ter filhos frustrado, João decide deixar certa fortuna para a mulher desfrutar de uma vida melhor. Ruma para a Amazônia onde obtém sucesso na empreitada. Rico, retorna para o sitio isolado em que deixou sua Maria, porém, João da Grécia é surpreendido com que encontra na sua volta. E ai o ‘código moral’ do homem sertanejo da época, o obriga a entrar em ação, mesmo acreditando na jovem esposa.

A obra é uma epopeia nordestina, destacando o sertanejo e seus fortes costumes regionais. As cenas destacam a o pobreza das localidades, os costumes interioranos, a vida pataca longe dos grandes centros urbanos. O filme foi gravado no Maranhão, Piauí, Pará e Amazonas.

A adaptação da novela para o cinema já tinha sido tentada antes. Em 1966 o diretor português Manoel Oliveira fez um projeto para filmar o livro de Odylo Costa, filho, que na época se encontrava em Portugal a trabalho. Mas para rodar o filme parcialmente no Brasil e ainda contar com os dois maiores atores portugueses na época seria o maior orçamento cinematográfico do cinema português. O projeto não seguiu adiante.

O filme

joao3

O filme nasceu de um fato curioso: Em 1968 um amigo de George Sluizer, o romancista português José Rentes de Carvalho estava em uma terrível noite de insônia. Ao pedir para alguém próximo um livro para ler esperando o sono, recebeu ‘A Faca e o Rio’ que sequer teve tempo de dormir. Imediatamente passou a traduzi-lo para o francês. Foi esse cópia que Sluizer leu e teve a ideia de gravar o seu primeiro longa metragem.

joao4235s

O diretor George Sluizer

Mas não seria uma tarefa fácil. Ao começar a levantar recursos para a filmagem, Sluizer encontrou um problema que causou imensa dor de cabeça. A ideia era se aproveitar da lei brasileira que dava uma série de vantagens, como financiamento pela Embrafilme, exibição obrigatória (que já garantiria a estreia), entre outros benefícios. Mas Sluizer era estrangeiro e segundo a norma do INC, um filme só poderia ser considerado nacional se o diretor fosse brasileiro ou então residente no país. Sluizer não se enquadrava em nenhuma das duas opções.

Carlos Drummond de Andrade na coluna do Jornal do Brasil (01/07/1971) denominada ‘O Parnaíba, rio holandês’, cita uma conversa dele com Odylo, em que o escritor lamenta que toda a produção, atores e locais serem brasileiros e apenas pelo diretor ser estrangeiro, o filme não pode ser considerado nacional. “- Como é que eu vou explicar isso ao Sluizer? […] E o decreto está ai para dizer que o filme dele não será brasileiro, será… holandês. Holandês, o rio Parnaíba, cuja margem se passa a história? João da Grécia, holandês? Eu, piauiense, nascido no Maranhão, holandês?” Indagava Odylo.

Nesse caso a velha ‘carteirada’ acabou dando certo. O nome de peso do diretor internacional acabou influenciando na decisão de contornar a lei. Tal decisão causou irritação no setor, pois cerca de vinte filmes nacionais estavam na fila aguardando a oportunidade de benefícios de investimentos. “Espera-se que tal precedente não sirva de pretexto para modificar o decreto. Ele constitui uma proteção legal para evitar que cineastas estrangeiros deformem nossos valores culturais e concorram com os produtores nacionais num mercado de exibição já estrangulado”, alertava um jornal carioca.

Sluizer pretendia reproduzir com máxima perfeição os costumes do sertanejo nordestino. Antes de iniciar as gravações no início de 1971, e para adquirir maior conhecimento do povo e região, o diretor acompanhou e registrou diversos eventos que acabou lançando como três curtas com cerca de 15 minutos cada: ‘O carnaval de São Luís’, onde registrou três dias do carnaval da capital maranhense; ‘A Balsa’, sobre um pescador e sua família ganhando a vida navegando no rio Parnaíba e ‘Zeca – Retrato de Vaqueiro’. Todos lançados em 1973.

O filme tem nomes de peso no cinema nacional e internacional: Seu diretor, o francês radicado na Holanda, George Sluizer (um dos maiores documentaristas holandeses), já trabalhou com diversas estrelas de Hollywood, como Sandra Bullock, Jeff Bridges, Kiefer Sutherland e o jovem River Phoenix, morto por overdose durante as gravações do filme ‘Dark Blood’ de Sluizer. No elenco o consagrado ator brasileiro Jofre Soares e Ana Maria Nobrega Miranda (que se destacou posteriormente como escritora, ganhadora de dois Prêmios Jabuti), Áurea Campos e João Batista de Andrade (Diretor de diversos filmes nacionais). Comandando a câmera Jan de Bont (Produtor do filme ‘Minority Report’; Diretor de filmes como ‘Lara Croft Tomb Raider: The Cradle of Life’ e ‘Velocidade Máxima’; E como Diretor de Fotografia de grandes filmes da década de 1980 e 90 como Instinto Selvagem, Máquina Mortífera 3, Caçada ao Outubro Vermelho e Duro de Matar). Toda essa equipe aqui em Caxias.

As gravações no Maranhão

O Jornal do Maranhão nº 3.796 de 20 de abril de 1969 anunciava em sua coluna: “O livro do conterrâneo Odylo Costa, filho, A Faca e o Rio, vai servir de roteiro para um filme e muitas cenas serão rodadas no Maranhão. Isso todo mundo já sabe. Inclusive Odylo aqui esteve acompanhado de um cineasta holandês, escolhendo os locais da filmagem. Mas em entrevista concedida a Televisão Difusora, Odylo anunciou que está precisando de um navio-gaiola e de um caçador que mate onça a faca. No Gaiola, Odylo viajou quando criança. Mas de caçador que matava onça a unha ele apenas ouviu falar que existia. Não viu nenhum”.

Durante os problemas na liberação da filmagem, parte do equipamento estava parado na Alfandega no Rio de Janeiro aguardando liberação para ser levada a São Luís. O Jornal do Brasil (19 de fevereiro de 1971) diz que “atendendo as ponderações que lhe foram feitas (O Inspetor da Alfandega) liberou o material cinematográfico e o cineasta pode embarcar para o Maranhão onde pretende tomar algumas cenas do carnaval”. Sluizer preferiu filmar o carnaval maranhense pois o do Rio de Janeiro já era bastante conhecido. Essa filmagem foi um dos documentários que ele pretendia penetrar na cultura nordestina e maranhense.  Em fevereiro de 1971, o mesmo jornal dizia que Sluizer e Cris Rodrigues (Produtor do filme Macunaíma) estavam em São Luís na produção do filme. Em junho as gravações do longa começaram pelo Maranhão.

“São Luís em festa – Começou domingo passado (20 de junho), em São Luís do Maranhão, a filmagem de A Faca e o Rio, romance de Odylo Costa, filho. Foi uma autentica desta popular, atraindo o acontecimento, o interesse e o entusiasmo de toda a cidade. Virgilio, filho de Odylo e a assistente de produção, teve que ir a Vila de São Francisco, cidadezinha em frente a São Luís, para comprar roupas usadas com que vestir diversos atores. Descobriu-se em São Luís uma preta gorda com grande vocação artística, que encarna admiravelmente um personagem importante na trama de A Faca e Rio. Como a preta é analfabeta, a atriz principal do filme, Ana Maria Miranda, está decorando o papel da sua companheira de trabalho para que ela o aprenda. A euforia na cidade resulta de que este é o primeiro filme rodado em São Luís, tanto mais que se trata da história de um filho ilustre da terra que a ela sempre se manteve fiel pela inteligência, pela alta representatividade e pelo coração” (Jornal Diário de Notícias – Rio de Janeiro, Edº 14.927 de 27/06/1971).

E em 11 de julho o Jornal do Maranhão cita: “Continuam as filmagens em nossa capital do filme A Faca e o Rio…”, onde na figuração estavam algumas figuras da sociedade ludovicense.

No Jornal do Brasil de 02 de setembro: “O Sr. Odilo Costa, filho, como determina o decreto (Decreto Presidencial que permitiu o filme), está assistindo diretamente a filmagem de A Faca e o Rio já tendo viajado para São Mateus no Maranhão, onde foram tomadas algumas cenas. Durante sua permanência em São Mateus, segundo informou, serviu como orientador da direção na filmagem de certos detalhes regionais”.

Incrivelmente não existe registros da passagem da equipe de gravação e dos atores na cidade de Caxias. Seja nos livros de história ou nos jornais locais da época, como o ‘Folha de Caxias’ não faz nenhuma menção ao filme. Como pode uma produção inédita na cidade passar desapercebida? Até produções circenses que se estabeleciam na cidade eram anunciadas nos jornais comunicando a novidade a população. É de se estanhar que homens com uma câmera nas mãos andando pelas ruas de Caxias não tenha chamado atenção em uma cidade sem muitos atrativos. Apenas tenho o relato do Sanches, que, na época, vindo de compras no Mercado Municipal (hoje sede da Prefeitura), parou e presenciou a ação dos atores e da produção na calçada em frente a Delegacia de Polícia, próxima à praça do Panteon, no centro da cidade.

Lançamento

joao4O filme teve pré-estreia no Rio de Janeiro no dia 18 de agosto de 1973 no Metro-Copacabana. A ‘Editora José Olympio’ aproveitou o momento e a estreia, para relançar o livro, onde Odylo Costa, filho, esteve presente em uma grande noite de autógrafos. Foi um evento de gala que contou além do elenco, várias autoridades da política e artistas. A estreia nacional veio no dia 23 do mesmo mês no Rio de Janeiro. Em Brasília estreitou no dia 25 de outubro, onde Odylo também participou de uma noite de autógrafos. Ele estava participando do VIII Encontro Nacional de Escritores e VI Simpósio da Literatura Brasileira e aproveitou o momento para ir ao lançamento.

O filme recebeu diversos prêmios e indicações, inclusive fora do Brasil. “Embora a diferença de língua com o diretor holandês George Sluizer, só senti ter vivido um dos melhores papeis de minha carreira quando vi A Faca e o Rio pronto. O prêmio veio em boa hora”, disse o ator Jofre Soares ao receber o prêmio de melhor ator no Festival de Cinema em Santos, em 1973.

O filme ‘A Faca e o Rio’ circulou por diversos cinemas nacionais e também aqui no Maranhão. Em Caxias na década de 1970 tínhamos o Cine São Luís, que acabavam passando na maior parte do tempo filmes antigos e repetidos. A cópia exibida aqui em Caxias provavelmente veio de São Luís ou Teresina, onde deveriam estar em exibição.

Cinema no Paraná em 1974

Cinema no Paraná em 1974

Busca pela internet

Basta um filme estrear nos cinemas que em poucas horas ele já está disponível para download na internet. Seja os chamados blockbusters (arrasa quarteirão) ou os clássicos da sétima arte é possível encontrar com facilidade. Já produções independentes, documentários ou os chamados ‘cults’, é necessário procurar em locais bem específicos pela rede de computadores. Uma produção como ‘A Faca e o Rio’, de um diretor holandês não muito pop baseado em um romance brasileiro, se enquadra nessa categoria. Em meios a tantas opções de sites de downloads de filmes, no Brasil e pelo mundo, não consegui localizar nenhum link disponível para baixar o filme. Edmilson Sanches também me informou que fez várias buscas, inclusive entrando em contato com colecionadores, e a busca foi em vão. Ninguém tinha a cópia.

Até que nas buscas encontrei a matéria do jornal O Globo (23/08/2013) que trazia a notícia sobre uma exposição na UERJ celebrando o centenário de nascimento de Odylo Costa, filho, com mostras de documentos pessoais e uma cópia do filme ‘A Faca e o Rio’, que foi exibida na ocasião. A reportagem diz que a família pretendia doar o acervo a alguma instituição como o museu Casa de Rui Barbosa, no Rio, onde reúne diversos documentos semelhantes de poetas brasileiros. Buscando no site da fundação, descobri que realmente eles receberam o acervo do escritor, incluindo a cópia do filme. O filme foi exibido no museu no dia 14 de dezembro de 2016, quando foi celebrada a chegada do acervo – aniversário de 102 anos de seu nascimento.

Será essa a única cópia disponível no Brasil? Se sim, ela está lá. E quem sabe aguardando para ser exibida novamente aqui em Caxias.

Texto e pesquisa: Eziquio Barros Neto

 

Ficha técnica:

Título: A faca e o Rio (João En Het Mes / João Und Das Messer)

Material original: 35mm, COR, 95min, 2.605m, 24q, Technicolor, Cinemascope

Diretor: George R. Sluizer

Ano: 1972

Lançamento: 1973

Gênero: Drama

Elenco: Joffre Soares (João) / Ana Maria Miranda (Maria) / Douglas Santos (Zeferino) / João Augusto Azevedo (Juiz) / João Batista (Deodato) / Áurea Souza / Campos (Dona Ana)

Roteiro: Odylo Costa Filho e George R. Sluizer

Direção de fotografia: Jan de Bont

Câmera: Jan de Bont

Música: Heitor Villa-Lobos

Distribuição: Ipanema Filmes

Prêmios: Melhor Ator: Jofre Soares e Melhor Autor/Roteirista: Odylo Costa Filho (Festival de Cinema de Santos, 1973); 1º lugar (Festival de Edimburgo – Escócia); Prêmio Coruja de Ouro de Melhor Ator para Jofre Soares (Instituto Nacional de Cinema, 1973); Menção honrosa (Academia Cinematográfica de Hollywood, 1973); Prêmio Adicional de Qualidade (Instituto Nacional do Cinema, 1974);

Indicado pelo Governo Holandês para representar os Países Baixos no Festival Internacional de Berlin (1972). Foi escolhido para representar o cinema brasileiro na categoria de ‘melhor filme estrangeiro’ no Oscar de 1974, porém não foi indicado.

200 anos da igreja dos Remédios

Imagem

IMG_20171020_102922_238

O português residente em Caxias José Antônio de Oliveira enviou um requerimento ao bispado do Maranhão, solicitando licença para erguer uma capela dedicada a Nossa Senhora dos Remédios, padroeira do comércio. A autorização foi concedida pelo vigário capitular Dr. João de Bastos Oliveira, no dia 20 de outubro de 1817. A partir desta data, devotos e comerciantes passaram a planejar sua construção as margens do então Morro das Tabocas, onde foi construído a capela dedicada a santa.

Em 1823 quando o Major Fidié se instalou no alto do Morro onde pretendia manter o regime fiel a Portugal, a Capela dos Remédios serviu de local para a Câmara Municipal se reunir em sessões, onde no dia 31 de junho daquele ano os vereadores resolveram aderir a Independência. Poucos anos depois durante a Balaiada, a capela serviu como deposito de pólvora e armamentos pelos que defendiam a cidade. Tomada pelos balaios, a capela foi parcialmente destruída.

Em 1846 o engenheiro caxiense João Nunes Campos, formado em Paris, é contratado para a sua reforma. A fachada foi alterada, construída duas torres e ampliada a capela-mor. Em 1867 foi instalado um relógio de bronze vindo da Europa, onde até hoje dá as horas do dia a dia.

Em 1939 com a criação da Diocese de Caxias, a igreja é elevada a Catedral do Bispado.

Hoje, 20 de outubro de 2017, se faz duzentos anos de história da igreja de Nossa Senhora dos Remédios.

Texto: Eziquio Barros Neto

145 anos de Elpídio Pereira

Elpidio Pereira

Considerado o maior compositor maranhense, Elpidio de Brito Pereira nasceu em Caxias no dia 16 de outubro de 1872.

Em sua terra natal aprendeu musica com o lendário maestro Antônio Carimã, onde aqui compôs diversas valsas, polcas e marchas. Partiu para a França onde estudou no Conservatório de Paris, de Antoine Taudou e posteriormente com Paul Vidal.

Apresentou-se por todo o Brasil e alguns países com sua vasta obra, sempre reverenciado por seu talento.

É o responsável pela composição do Hino Caxiense, com letra de Teodoro Ribeiro Junior, aprovado pela Câmara Municipal para ser cantado nas escolas em 1909.

Aposentou-se como funcionário do corpo diplomático brasileiro em Paris.

Faleceu no Rio de Janeiro em 1961.