Buiu da Silva

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Caxias nos brinda com personalidades notáveis conhecidas nacionalmente. Mas a cidade também é palco de ilustres figuras desconhecidas do grande público que fazem parte da nossa história. Qual cidade não tem um boêmio, um louco, um mendigo, uma prostituta… pessoas sem sorte e sem bens que acabam virando lendas nas esquinas e mesas de bares por gerações? Uma personalidade dessas é o Buiu.

Diz a lenda que Buiu chegou ainda criança de navio em São Luís, refugiado da África. Sem pai, sem mãe e sem documento. Não falava uma única palavra nem em português e nem em alguma língua que alguém conhecesse. Acabou vindo para Caxias viver nas ruas.

O garoto negro sem nome logo ganhou o apelido de ‘buiu’. Buiu era um personagem do programa humorístico ‘A Praça é Nossa’ bastante popular na época. A semelhança com o ator o levou a ganhar esse carinhoso apelido que acabou se tornando seu nome registrado em cartório: Benedito Buiu da Silva. Quando ele ganhou sua identidade andava orgulhoso pelas ruas sempre mostrando a todos o seu nome, sobrenome, foto 3×4 e o dedo marcado como assinatura (a xerox, pois a original ficava em casa).

Conheci o Buiu ainda moleque. Provavelmente tínhamos a mesma idade já que não se sabia o ano de seu nascimento. Sempre que saia do Colégio São José lá estava o Buiu sentado no banco da esquina da delegacia. Ou então na escadaria do Fórum, na praça Gonçalves Dias. Buiu não frequentou escola. A rua era sua sala. Os transeuntes os funcionários e professores. A praça era o seu parque na hora do recreio. O diretor dessa escola só tinha um, era o juiz Antônio Manoel Velozo.

Dr.Velozo foi quem pegou a tutela do Buiu. “Papai Velozo”, como era chamado pelo Buiu. Aliás, as únicas palavras que ele conseguiu aprender a falar e que todos entendiam (com muita vontade). Velozo deu casa, comida, roupa lavada e dinheiro para o Buiu (além do RG).

Buiu circulava pela cidade como se ela fosse sua casa. Tinha passe livre por onde passava. Ele era sempre prestativo o que acabou gerando simpatia por todos o que o conheciam. Mesmo com comida garantida e dinheiro sempre que precisasse, Buiu lavava carros na rua para descolar uns trocados. As vezes se aventurava em São Luís. Cansei de ver o Buiu na rodoviária da ilha e até mesmo na praia da Litorânea no período do Marafolia.

Embora não falasse uma única palavra e muito menos uma frase, Buiu era comunicativo. Adorava se expressar para os conhecidos. Tanto com gestos ou imitando situações que ele tinha presenciado. Sempre que nossa turma de amigos o encontrava nas proximidades do Excelsior Hotel, Buiu chegava em nossa mesa para tomar uma gelada. As vezes ele puxava a carteira para ajudar na conta e a gente não deixava. Mas não podia exagerar na bebida, senão o álcool tomava conta e começava a fazer estripulias. Mas não passava disso. Buiu não era de confusão. Era uma pessoa do bem.

Nas ultimas vezes que o vi ele estava morando em uma casa na Travessa José da Cruz. Morava sozinho. Depois mudou-se para o residencial Eugenio Coutinho, no bairro Teso Duro. Mas Buiu sempre estava no centro da cidade pela praça Gonçalves Dias e rua Dr.Berredo a bater papo com seus amigos.

Hoje a cidade descobre que Buiu nos deixou. Buiu entra agora para a galeria de notáveis figuras folclóricas caxienses. Não teve filho, não plantou arvore e nem sabia escrever para nos deixar um livro. Talvez ele nem tenha ideia do exemplo que deixou para a gente.

Como disse Flávio Teixeira de Abreu em seu livro Caxias Num Só Riso: “Falar dos mortos é faze-los viver novamente. E falar com humor é eterniza-los num sorriso inesquecível”. E como Buiu só nos deixou alegrias, será sempre lembrado com aquele sorriso no rosto.

 

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No Réveillon de 2005 reuni alguns amigos para comemorar a virada do ano em casa. Encontramos o Buiu pela rua onde acabou vindo comemorar conosco. Infelizmente essa é o único registro que tenho com ele.

Conto de São Paulo

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São Paulo, dia vinte de novembro. Hora local 07:00hrs da manhã. Chego cedo no Mercado Central para um café para enfrentar a correria das compras no maior centro comercial da América Latina: a rua 25 de março. É fim do mês de novembro, proximidades do natal. Rua cheia.

08:30 da manhã. Entro na Galeria Pagé, conhecido local de mercadorias populares vindas da China e de fabricação duvidosa. Encosto em um guarda corpo para um rápido descanso. Ao lado chega um rapaz no celular. Aflito, voz tremula. Seu sogro foi morto na noite anterior, executado por ser policial. Ligou para o chefe para justificar sua ausência do trabalho. Escuto a conversa toda.

08:45 horas. Nos corredores com espaçamento mínimo onde circula um máximo de pessoas, paro para pedir informações sobre um produto. Sinto uma mão nas minhas costas. Era o lojista do lado me empurrando pois eu estava no espaço de seu comercio e eu estaria atrapalhando seu espaço. O cliente também é um produto.

10:30 horas. Caminho pelo centro até a estação São Bento. No trajeto, pessoas de várias idades dormindo pelas ruas. Provavelmente passaram a madrugada rondando pelas ruas e ainda não levantaram. Com certeza não fizeram a primeira refeição do dia. O odor de maconha e de cola de sapateiro me acompanha por quase todo o caminho. Dentro da estação um rapaz sentado em meio aos transeuntes devora uma quentinha no chão. Não foi preciso talheres.

10:40 horas. Dentro do metrô uma senhora pede a atenção de todos. A dois anos voltando do trabalho ela foi assaltada. O bandido após roubar sua bolsa lhe deu um tiro o que acabou a impossibilitando de trabalhar. Desde então vive da ajuda de desconhecidos. Pouca gente deu importância.

11:00 horas, estação Consolação. O dia não chegou na metade e ainda há várias histórias pela cidade. Caminho para o hotel, mas não sem antes encontrar com Elvis Presley na Paulista.

el1 Eziquio Barros é arquiteto e urbanista.