O assassinato de Raimundo Teixeira Mendes

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Ilustração: ‘Balaiada: A Guerra do Maranhão’ (2009) – Quadrinhos de Iramir Araújo.

O Período Regencial (1831/1840) foi uma época instável para o Brasil. Tempo fértil para ideias revolucionarias, influenciadas pelo iluminismo europeu e a Maçonaria que estava se estabelecendo no país. O Maranhão que aderiu a independência com sangue, passava por agitações como a Setembrada (1831), e os conflitos entre Liberais (chamados de Bem-te-vi) x Conservadores (Cabanos) culminaria pouco tempo depois na revolta da Balaiada. Foi durante essa efervescência política que Caxias presenciaria um fato que selaria o seu futuro: o assassinato de seu líder político Teixeira Mendes.

Raimundo Teixeira Mendes deu origem a chamada tríade dos Teixeira Mendes: Ele o pai; seu filho Raimundo Teixeira Mendes (Engenheiro formado em Paris, lutou para implantar sistema de abastecimento de agua em São Luís onde foi terrivelmente derrotado por Ana Jansen); e seu neto Raimundo Teixeira Mendes (Filosofo Positivista, o idealizar da Bandeira Nacional com lema Ordem e Progresso).

Filho de um rico Fidalgo estabelecido no Piauí, Teixeira Mendes nasceu no ano de 1795. Já adulto tocando os negócios do pai e entrando na vida militar em Oeiras, Teixeira Mendes casa com a jovem viúva Rosa da Costa Alvarenga que tinha um filho do falecido marido. O garoto de oito anos de idade, que Raimundo assumiu como seu padrasto, era Francisco José Furtado, futuro Ministro, Deputado, Senador e Conselheiro do Império.

Em 1827 Teixeira Mendes muda-se com toda a família para a Vila de Caxias. No posto de Tenente Coronel e Delegado de Polícia não demorou para entrar na política. Adepto das ideias libertarias e republicanas militou no Partido Liberal que tinha como um dos chefes João Lisboa. Foi eleito vereador, Deputado Provincial e Vice Governador do Maranhão. Se tornou o chefe absoluto nessa região sendo respeitado até mesmo pela oposição, os Conservadores, que eram minoria.

Até que chegou o ano de 1837.

A oposição assumiu a presidência do Maranhão com o cabano Francisco Bibiano de Castro. Os Conservadores retiraram dos cargos de Juízes e Delegados seus opositores e passava a tomar o poder por completo, o que viria com a Lei dos Prefeitos no ano seguinte. Enquanto isso, Liberais passaram a inflamar o resto da população em uma insurreição nos moldes das demais províncias.

Notícias de uma revolução republicana em Caxias, recém elevada a categoria de cidade, chegara a São Luís onde o governo acabou enviando um destacamento para conter a revolta. Mas eram boatos e reconhecendo o erro, as forças foram mandadas de volta.

Essa atitude do Governador foi uma derrota para os Conservadores de Caxias que pretendiam destituir todas as forças dos Liberais na cidade. Mas a vingança não tardaria.

No dia 25 de novembro Raimundo Teixeira Mendes resolveu então comemorar com seus amigos essa parcial vitória. Ao voltar para sua casa, passando pela Igreja da Matriz é surpreendido por dois capangas onde luta corajosamente, mas não suporta o ferimento das facadas e ali mesmo falece.

Sua morte chocou o Maranhão e a escuridão encobriu Caxias. O crime logo recaiu em seus adversários políticos, principalmente o líder Cabano em Caxias Francisco Mendes de Almeida (pai dos juristas João e Cândido Mendes). Apesar da comoção e os assassinos presos, os mandantes nunca foram julgados e o crime a Raimundo Teixeira Mendes ficou impune.

Um ano depois de seu assassinato estouraria a Balaiada e Caxias invadida pelos revoltosos, que teriam vindo a convite dos Bem-te-vi para vingar a morte de Teixeira Mendes. A passagem dos balaios por esta cidade foi um verdadeiro terror que marcou profundamente sua história.

Neste dia 25 de novembro completou-se 180 anos da morte do patriarca dos três Raimundo Teixeira Mendes.

 

Texto e pesquisa: Eziquio Barros Neto

A terceira “guerra” do Alecrim

 

“Ímpios sem crença, e precisando tê-la,
Assentastes um ídolo doirado
Em pedestal de movediça areia;
Uma estátua incensastes  […]
Da política, sórdida manceba “

(Gonçalves Dias, “À Desordem de Caxias”, IV,
in Poesia Completa e Prosa Escolhida, p. 551,
Rio de Janeiro: Editora José Aguilar, 1959)

 

 

E eis que lá no alto do Morro trava-se nova batalha
— não é mais Alecrim, Duque, nem é contra Fidié:
é luta por causa histórica, onde a verdade assoalha
para o Morro não deixar de ser a Memória que é.

Esse Morro onde habita a História sem fim
e também onde o poeta sua musa canta
pode não mais ser nosso Morro do Alecrim
para ser  — e muito mais —  “o morro da santa”.

Querem (im)por uma estátua no alto do Morro do Alecrim,
onde a escultura é desnecessária, quiçá conflituosa.
Há opções de valia   — entre elas o Morro do Barata, sim,
onde, com Fé, renderemos graças à Maria Virtuosa.

Filhos da terra que dizem respeitar a História,
detentores transitivos do volátil Poder,
abusam da condição, desrespeitam a Memória,
louvam a si mesmos por trás da Santa enaltecer.

Estátua, substantivo sem vida nem rima.
Colocá-la bem no Alecrim é turbação.
À essa obra no alto do Morro, lá em cima,
a Santa pede e quer contrição, oração.

Pois é no interior de cada um que se constrói a devoção
e se a confirma na Fé, no Trabalho, no Amor, na luta contra o Mal,
com decência suprindo o povo carente não só de fé, mas de pão
acompanhado de boas doses de ética, fraternidade, moral.

O próprio Deus escolheu o íntimo do ser humano como templo
quando poderia, fácil, por outros meios fazer-se representar.
E certos humanos, incrédulos, desapegados desse exemplo,
o que fazem para a Deus  — na verdade, a si mesmos, ímpios —  louvar?

Em sítio histórico de Caxias quer-se erguer estátua religiosa;
fazer estátua não só porque os feitores tenham fé, convicção ou crença:
quer-se fazer estátua porque estão, breves, no Poder – coisa perigosa –,
senão teriam construído com humildade, sem alarde ou desavença.

Se têm contas a prestar com a Santa,
se co’ ela têm promessas a pagar,
por que, humildes, como quem ora e canta,
não fazem a estátua em outro lugar?

Digam: Por que foram mexer logo com a Virgem Santa?
Por que assumiu a obra e depois sumiu o Público Poder?
Porque quem tem fé sabe que à Fé incomoda e espanta
o fazer questão de anunciar ao mundo o seu fazer.

Receberam uma dádiva  —  dinheiro, poder, vitória, eleição —
e, cumpridores, querem agradecer com uma o que a outra mão pediu?
Então, munam-se, assim, de reserva, recato, humildade, contrição,
e não se preocupem se todo mundo no mundo todo vê, ou viu.

Pague-se sua promessa sem excessos, ou soberbia, com discrição,
— pois santo que é santo não precisa de alto-falante para sê-lo.
A Santa, sobretudo porque virginal, materna, estenderá a mão
e grata ficará pela prudência, contenção, amor, fé e zelo.

Basta de revolverem-se as pedras do Morro e sua memória;
cada uma delas é um patrimônio que é nosso, que é seu.
Diz o Poeta: “Cada pedra que i* jaz encerra a história”,
história valente, corajosa, “dum bravo que morreu”.**

Nessas pedras há sangue, há dor, há ideal e há liberdade,
e essa luta, só o Morro do Alecrim deve ser o lugar dela.
Assim, por que soterrar mais ainda a História, quando, de verdade,
há outros lugares para a santa escultura e o que vier com ela?

O caxiense Teixeira Mendes, a partir do Rio de Janeiro,
iniciou uma luta, fez a lei e finalmente conseguiu
separar Igreja de estado  —  pois a Fé, valor verdadeiro,
não deve ser obrigação constitucional no Brasil.

Mas o que um caxiense faz para todo o País outros desfazem em casa.
De modo exposto ou escondido, verbo e verba em variados expedientes,
interesses pessoais são mantidos, decisões e descaso ganham asa
…e História e Patrimônio caxienses  — sim, ruindo —  cada vez mais doentes.

Depois de portugueses e balaios,
que “mato” e “morro” não tornem a verbos
nesta terceira “guerra” do Alecrim;
que sejam o que são: só Natureza
e História, ambas com seu espaço e beleza,
cumprindo em Caxias seu elevado fim.

Sine ira et studio.

 

Edmilson Sanches
Caxiense.
www.edmilsonsanches.com
edmilsonsanches@uol.com.br

(*) O mesmo que .
(**) “Cada pedra que i jaz encerra a história” e “dum bravo que morreu” são respectivamente o terceiro e quarto versos da segunda estrofe da primeira parte do poema “Morro do Alecrim”, de Gonçalves Dias (in Poesia Completa e Prosa Escolhida, p. 527, Rio de Janeiro: Editora José Aguilar, 1959)

 

Poema enviado pelo poeta/pesquisador/professor/jornalista Edmilson Sanches.

Membro da Academia Caxiense de Letras (ACL) e Instituto Histórico e Geográfico de Caxias (IHGC).

194 anos de independência

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Do alto do Morro das Tabocas, postou-se Fidié com seu exército. A ele, juntou-se a população de Caxias que defendia a permanência a Coroa Portuguesa.

Os moradores de Caxias que, por temor ou adesão, prestavam-se a fazer suprimentos que deles exigiam, concorreram para a edificação de uma casa nesse morro, destinada para Quartel e arrecadação da pólvora

O exército libertador, liderado pelo herói José Pereira Filgueiras, entrou em Caxias e no dia 1º de agosto de 1823 prendeu o major português que se encontrava no morro.

Cabe a nós, dedicar a estes heróis brasileiros e ao rebelde português, um monumento a bravura. E não existe outro local que não seja o Morro do Alecrim.

Entre as cinco obras apresentadas pela prefeitura ontem, uma me deixou bastante preocupado. É um santuário com uma monumental estátua de uma santa. O motivo de preocupação é o local escolhido para ser instalado, no ponto principal do Morro do Alecrim.

O Morro do Alecrim é o sitio histórico mais importante da história de Caxias. Local em que duas partes distintas da história do Brasil tem ali seu ponto de referência: A independência e a Balaiada. Uma construção dessa escala e de cunho religioso encobriria para sempre o simbolismo de luta e resistência civil militar de seu entorno. Será um passo para o histórico Morro do Alecrim perder seu sentido e ganhar contornos religiosos. As Cartas Patrimoniais (Diretrizes formalizadas por arquitetos sobre preservação) alertam sobre esse tipo de intervenção em áreas de interesse histórico. Isso irá comprometer para sempre o seu contexto histórico.

Nada ali é mais importante do que as ruínas do antigo quartel. Nada ali pode ser mais importante.

Existem vários pontos em que o Santuário católico possa ser construído. Inclusive de encosta de morros que é possível sua visualização na cidade. Mas para contar a história da Balaiada não. O Morro do Alecrim é o seu único lugar.

Ali é sim um santuário, mas de memória aos mártires da independência e lutas por melhores condições sociais. Aos heróis Duque de Caxias, General Sampaio, João Paulo Dias Carneiro, Major Fidié, Ricardo Leão Sabino, João da Costa Alecrim, entre outros. São esses que merecem um monumento no Morro, e que nunca o tiveram.

Peço que o prefeito Fabio Gentil repense essa obra e reloque o Santuário para um outro local e ali construa sim o mirante conforme fora apresentado para que a população desfrute daquele local de suma importância cultural.

Para o bem de nossa história.

Texto: Eziquio Barros Neto