Antiga Estação Ferroviária São Luis – Teresina, atual sede do Instituto Histórico e Geográfico de Caxias.
Na semana passada o Brasil foi tomado por uma paralisação de caminhoneiros em todo o seu território. A categoria ocupou as vias federais impedindo que os demais caminhões carregados de produtos diversos e alimentícios chegassem a seu destino, assim somando ao movimento. Com isso as cidades literalmente pararam. Os postos ficaram sem gasolina, os supermercados sem alimentos, animais morreram dentro dos transportes, algumas clinicas e hospitais começaram a sentir o impacto cancelando cirurgias e transfusões de sangue (o que fez com que posteriormente os caminhões com produtos hospitalares fossem liberados), as escolas cancelaram as aulas. O brasileiro então sentiu no bolso a greve. O que restava nas prateleiras disparou custando até cinco vezes mais do valor normal. Gasolina que custava 04,30 passou a R$10,00 em algumas cidades; o saco de batata de R$80,00 passou para quase R$500,00 e o botijão de gás de R$40,00 para R180,00. Foi um princípio de caos nas grandes e médias cidades.
Caxias seguiu a caótica situação do país que vinha em efeito dominó. Com a gasolina acabando nos postos o caxiense correu para poder abastecer o máximo o seu tanque. No final de semana (dias 26 e 27) todos os postos já estavam vazios. Quando chegava um caminhão trazendo o combustível, formava-se uma fila quase quilométrica de carros e motos. E o preço, claro, veio mais caro. Eu mesmo passei cerca de quatro dias sem carro, resolvendo meus afazeres a pé pela cidade (Minha saúde agradeceu).
Essa paralisação expôs a precária infraestrutura brasileira totalmente dependente do transporte por caminhões pelas BRs. Apenas 32% de mercadorias circulam por vias férreas ou por barcos e navios no Brasil. O restante se dá por meio de caminhões. Para se ter uma ideia, este é o percentual de mercadorias que circulam nas rodovias dos EUA e China. Nesses países mais da metade se distribui via trem. Estamos no inverso dos países desenvolvidos. A nossa malha ferroviária não chega a 30 mil quilômetros. Mas o que já ruim, está piorando. Segundo a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), desses quase 30 mil quilômetros, 31% estão completamente abandonados e/ou deteriorados. Enquanto no mundo, a Índia, país com metade da área brasileira, tem a malha ferroviária de 68 mil quilômetros. China possui 121 mil e EUA com 225 mil quilômetros. Enquanto nosso governo desmontava sua linha férrea, os países desenvolvidos incrementavam e expandiam as suas.
Nem mesmo o Trem de Alta Velocidade (trem bala) ligando São Paulo a Rio de Janeiro, antigo desejo de ligar duas das capitais mais importantes do país, que foi inclusive inserido nos pacotes de mobilidade urbana para a Copa do Mundo de 2014, nunca saiu do papel.
Mas esse problema de infraestrutura não foi surpresa para urbanistas e o setor industrial. O desmonte do sistema ferroviário brasileiro vem de muito tempo atrás e de forma gradativa. Desde a década de 1920 quando o automóvel, muito mais rápido, ágil e barato, chegou ao Brasil, passou a ser a prioridade para nossa modernização e as linhas férreas, representando um país atrasado. Na década de 1930 quando o Brasil impulsionou sua industrialização, o seu sistema ferroviário não seguiu o mesmo ritmo. Muitos decretam o verdadeiro fim das ferrovias no Brasil no governo de Juscelino Kubitschek (1956/61). Conforme o seu slogan de “50 anos em 5”, que pretendia desenvolver rapidamente o país valorizando sua indústria nacional. E as ferrovias não estavam em seus planos. Com a vinda de novas indústrias para o Brasil, incluindo várias de automóveis e autopeças, era necessário abrir um campo para o brasileiro usufruir dos novos tempos. Se existia o incentivo para comprar o automóvel, novas estradas precisavam estar disponíveis para a modernização tão esperada. E assim foi feito.
De lá para cá só o que se viu foi a continuidade dessa política, diminuindo os incentivos das ferrovias e aumentando ainda mais o sistema de transporte individual sobre rodas. É mais barato construir estradas do que linha férrea. É mais rápido construir as rodovias, encaixando a sua inauguração dentro do mandato político demonstrando que o trabalho fora feito. Pratica comum que muitas vezes deixa uma rodovia recém-inaugurada já com problemas devido ao péssimo material usado. Rodovia é barata e rápida, mas isso se pensarmos apenas em curto prazo.
Toda essa situação que o pais passou nos remonta a uma Caxias em seu rico período econômico no fim do século XIX até meados do século XX. Período esse que por coincidência teve início junto com a sua primeira linha férrea e terminou quando ela já estava quase encerrando as atividades.
Uma linha férrea era sinônimo de modernidade e progressividade para qualquer região daquele Brasil imperial, ainda mais no Maranhão que já encontrava dificuldades para escoar sua produção pelos rios, como o nosso Itapecuru.
A construção dessa uma linha no Maranhão era um desejo que vinha pelo menos da década de 1860. E desde esse início Caxias, cidade importante do sertão maranhense, era ponto estratégico dessa estrada para o futuro do estado. Mas só foi em 1891 quando a cidade estava a todo o vapor com o seu parque industrial já estabelecido, que homens de verdadeira visão não queriam se limitar exportando seus produtos pelo Itapecuru e levaram adiante o projeto da linha férrea na terra de Gonçalves Dias. No dia 20 de junho deste mesmo ano, foi fincada a pedra fundamental da primeira ferrovia do Maranhão, tendo a frente da obra o urbanista Aarão Reis, o fundador de Belo Horizonte e sendo inaugurada em 1895. Caxias era uma cidade moderna, culta e pronta para esse novo Brasil que estava entrando no século XX.
Mas já no novo século o desenvolvimento do estado ainda estava em grandes dificuldades administrativas e financeiras. E foi nessa precária situação em que o Maranhão se encontrava precisando melhorar a sua infraestrutura e incentivar sua produção que a linha férrea caxiense foi ampliada, ligando São Luís a Teresina. Melhoramos consideravelmente nossa estrutura com a nossa ligação com o resto do Brasil. E foi essa linha que anos depois foi transformada em música pelo maranhense João do Vale. O viajante que percorria os trilhos pela Maria Fumaça, encontrava todos aqueles personagens cantados por ele até o seu destino final.
Esquerda: Prédio da primeira estação férrea Caxias – Cajazeiras (1895-1919) e a direita a estação da São Luis – Teresina (1919-1975).
Mas nem só de boas histórias vivia nossa estrada de ferro. A velha politicagem, que tanto maltratou nosso estado, também trafegava nessa estrada. As mudanças no quadro político, local e nacional, gerariam perseguições em quem não seguia quem estava a frente do Poder Executivo. E Caxias por muitas vezes fora oposição aos chefes da capital. Caso típico aconteceu com o grande comerciante José Delfino da Silva que oposição ao Vitorinismo foi impedido de exportar o seu babaçu pela linha férrea, tendo de recorrer ao já precário rio Itapecuru. Se não bastasse a linha férrea parar de receber incentivos como melhorando as vias, as expandindo e inserido trem modernos, quem necessitava de seu uso ainda seria perseguido.
Até a década de 1950 a estação ainda era um ponto de encontro da sociedade. Quem viveu aquela época, até hoje lembra dos tempos de criança quando corria ao ouvir o apito do trem para a estação ver o desembarque de pessoas. As moças vestiam as suas melhores peças de roupas para ir até a estação férrea na Galeana, para quem sabe encontrar um bom partido.
E foi nessa época que o governo brasileiro resolveu unir toda a malha viária em um único órgão criando a Rede Ferroviária Federal S.A (RFFSA). Enquanto a nossa linha férrea já se preparava para encerrar as atividades, veio então uma outra modernidade: a estrada asfaltada. O velho trem da velha estação agora cederia espaço para novos caminhões e os automóveis individuais. O Departamento de Estradas de Rodagem – DER chegava a Caxias abrindo uma via pelo centro da cidade, passando em frente a fábrica manufatura (ainda em atividade), próximo a estação férrea de Caxias (como um ato de demonstração comparativo entre o moderno e o antigo), criando uma nova avenida (Nereu Bittencourt) e também uma nova ponte sobre o Itapecuru, mas agora de concreto e não de madeira e ferro. Chegava ao fim um áureo período caxiense que ainda não recuperamos e relembramos com saudades.
O prédio da primeira estação caxiense é o retrato da linha férrea brasileira. Abandonado, sucateado e esquecido. Quem passa pela rua Menino Deus em direção ao supermercado Carvalho ou para a ‘Ponte de Cimento’, nem se dá conta da importância que aquele terreno cercado por arame e mato, já teve para nossa cidade. E não só para Caxias, mas para todo o Maranhão. Se não fosse a CEFOL (Centro de Folclore Caxiense) na pessoa de seu fundador e presidente Antônio Cruz, incansável na luta das festividades populares da cidade e também de sua história, aquelas ruínas já teriam sucumbido por total. Não só pela ação do tempo, mas também do homem e do Poder Público.
Já a segunda estação construída para a linha São Luís – Teresina, estava indo na mesma direção da primeira. Abandonada, arrombada e depredada estava servindo de abrigo a usuários de droga e pontos de prostituição. Foi praticamente invadida pelo Desembargador Arthur Almada Lima Filho e o Instituto Histórico e Geográfico de Caxias. E se não fosse essa invasão benéfica, estaríamos hoje vendo apenas as suas ruínas. Atualmente o prédio ocupado pelo IHGC é um belo exemplo de restauração e preservação de um patrimônio histórico, recentemente restaurado, abrigando uma casa de saber com vasto acervo para pesquisas com documentos históricos raros, livros, jornais e uma pinacoteca de artistas caxienses.
Esquerda: Ruínas da primeira estação férrea do Maranhão e a direita o prédio do IHGC reformado.
Com as novas diretrizes da política urbana no Brasil entrando em pauta nesse século XXI, a mobilidade urbana é um foco central não só nas grandes cidades como nas medias (o que inclui nossa Caxias). A tentativa de introduzir o transporte coletivo em nossa cidade já é uma realidade, mas não para expandir o nosso desenvolvimento como no passado. Mas porque enfrentamos sérios problemas no transporte com o trafego intenso, estacionamento e o custo da mobilização da classe baixa que cada vez mais reside nas periferias distantes do centro.
Esse caso da falta de estrutura nacional e local me lembrou ainda de um fato curioso e inacreditavelmente trágico que ocorrera em Caxias não muito tempo atrás. Existia um projeto para a retomada da linha férrea para o uso de transporte urbano ligando Teresina a Timon e se ventilava a possibilidade de ampliar esse transporte até Caxias. Segundo o projeto do Ministério dos Transportes, com o apoio da Universidade Federal de Minas Gerais, até o final de 2010 a linha férrea até Caxias já estaria em atividade. A Câmara de Vereadores de Caxias se mobilizou contra a extensão dessa linha até nossa cidade, pois poderia prejudicar o transporte de táxi e vans, que diariamente levam caxienses até a capital piauiense. O que poderia ajudar o caxiense no transporte interurbano barateando seu custo e posteriormente também levando cargas, aliviando consideravelmente trafego pelas estradas, foi barrado em favor de poucos, segundo nossos representantes.
O projeto do Governo Federal acabou não sendo levado adiante por falta de dinheiro. Mas se saísse do papel, Caxias ficaria de fora. Se um dia fomos pioneiros no progresso nacional com a instalação de uma estrada de ferro, hoje estaríamos na contra mão do desenvolvimento, renegando inclusive nosso passado de glórias.
Texto, pesquisa e fotos: Eziquio Barros Neto