A Peste de 1903 no Maranhão

No início deste ano o mundo se deparou com o COVID-19, uma nova espécie de Coronavírus que se alastrou de forma fulminante pelo mundo, causando ações extremas dos governos para conter o contágio. Nessa semana o Brasil passou a adotar medidas preventivas, suspendendo eventos e incentivando as pessoas a ficarem em casa. No Maranhão, mesmo sem casos confirmados da doença, o Governo decretou uma série de medidas como a suspensão de aulas na rede pública e privada, além de restrições de aglomerações. O temor é a fácil contaminação da doença e, caso se alastre entre a população como ocorreu na Itália, o sistema público brasileiro não tenha condições de atender a todos os pacientes.

O cenário mundial nos faz lembrar das literaturas distópicas, onde no futuro uma serie de eventos como as doenças pandêmicas nos apresentaria um novo mundo extremo e limitado. Mas esse tipo de medidas é tão comum quanto os demais eventos na linha história da humanidade. E aqui mesmo no Maranhão, entre os séculos XIX e XX, ocorreram diversas epidemias que provocaram pânico na população, como a peste bubônica, entre os anos de 1903 a 1904.

A peste bubônica é uma doença transmitida pela bactéria Yersinia Pestis e sua transmissão se dá por ratos e pulgas. Várias pestes desse tipo se tornaram celebres, como a Peste Negra que dizimou 1/3 da Europa. Essas doenças fizeram que muitas medidas de higiene fossem adotadas na medicina e no urbanismo.

         Por volta de outubro de 1903 um surto de moléstia se abateu em São Luís. A peste surgiu de uma embarcação atracada na Praia do Jenipapeiro (nas proximidades da atual Praça Gonçalves Dias). As primeiras vitimas foram moradores da praia, onde na casa de uma delas serviu de acomodação para os demais doentes, se transformando em um hospital de isolamento improvisado. Em pouco tempo a peste tomou grandes proporções assustando a população. Nos quatro primeiros meses, 204 pessoas deram entrada nos hospitais e 92 delas faleceram, tendo uma mortalidade de 45%. Mais de dez mil pessoas fugiram para o interior deixando as ruas de São Luís desertas.

As cidades que faziam ligação com a capital pelo Rio Itapecuru tomaram medidas para evitar a contaminação. Em Caxias, realizavam-se palestras públicas, navios eram obrigados a passarem por inspeção e passageiros proibidos de descerem.

         Com o pânico estabelecido, o Governo convidou o respeitado médico paulista Dr. Vitor Godinho, para resolver a situação o nomeando Chefe do Serviço Extraordinário de Higiene no Maranhão. Desembarcando no mês de fevereiro de 1904 com uma equipe de auxiliares, logo reestruturou o precário sistema de saúde na capital. Em apenas 12 dias reorganizou um novo hospital e implementou uma série de ações de higiene, entre elas a criação do Policiamento Sanitário. O corpo visitava casas para consultas, vacinação obrigatória e levantamento de dados para o governo sobre a situação de higiene dos imóveis. Ao contrário do que ocorrera no Rio de Janeiro naquele mesmo ano, na chamada Revolta da Vacina, a população da capital, principalmente a mais carente, saudava a visita daquele corpo médico.

         As ações do Dr. Vitor Godinho fizeram com que a peste fosse declarada extinta em abril de 1904, com cerca de oito mil pessoas vacinadas. Oficialmente 648 pessoas foram infectadas e 195 morreram devido a peste, segundo dados colhidos pelos médicos, podendo ser ainda maior. Quase sete mil imóveis e mais de mil embarcações foram desinfetados, além de 174 imóveis interditados. Uma Lei foi aprovada organizando o serviço de higiene no Maranhão, o 2º estado a ter esse tipo de legislação no Brasil.

Passados mais de cem anos depois dessa epidemia, todo o estado se volta com mais uma questão de higiene, dependendo que cada um faça a sua parte para que evite a proliferação do COVID-19.

Dr. Vitor Godinho.
Equipe sanitária oriunda do Rio de Janeiro. Da esquerda para a direita: Dr. Álvaro de Souza Sanches, Violet Small (enfermeira), Dr. Victor Godinho / Misses Mary Bagott (enfermeira) e Dr. Adolfo Gomes Pereira.
Enfermaria da ala feminina do novo Hospital de Isolamento, situado na Rua do São Pantaleão em São Luís, 1904.

Doutor Bento Urbano da Costa

A cidade de Caxias é abençoada por ser uma terra de grandes personalidades nas diversas áreas culturais, profissionais, militares e políticas do Brasil. Imensa é a lista de filhos ilustres que a colocaram para sempre nos livros de história.

Mas Caxias também foi berço de muitos migrantes e imigrantes que por aqui desembarcaram em busca de uma vida melhor. Aqui fizeram fortuna, criaram família e também ajudaram e muito em seu desenvolvimento.

A partir de agora o blog trará a biografia dessas figuras que muito contribuíram para que Caxias se tornasse uma das mais importantes cidades do Maranhão e do Brasil. Começamos pelo médico humanitário Bento Urbano que aqui residiu por muitos anos e deixou seu nome.

Bento Urbano da Costa

Esse maranhense nasceu no dia 07 de junho de 1873. Grande parte de sua família residia em Alcântara, litoral maranhense. É seu irmão o Comendador Mariano Augusto Maia Cerqueira.

Estudou na capital no Liceu Maranhense concluindo os estudos no ano de 1894. Quando jovem ajudou a criar o Grêmio Literário Maranhense, onde chegaram a editar o jornal ‘A Ideia’ e era um de seus redatores. No fim do século XIX vai para a Bahia estudar medicina na Faculdade de Medicina e Farmácia onde conclui o curso no ano de 1901.

Retorna no mesmo ano para São Luís e é imediatamente nomeado como médico interino de Segurança Publica Inspetoria de Higiene do Estado do Maranhão. Recém formado logo começara a ser um grande defensor da saúde pública onde faria diversos discursos sobre a tuberculose na capital maranhense, inclusive no Teatro Municipal. Foi convidado a lecionar no Liceu Maranhense nas cadeiras de História Natural, Física e Química onde também eram professores grandes vultos maranhenses como Palmério Cantanhede e Justo Jansen Ferreira. Em 1902 passou um breve período no Amazonas e no Pará, onde fez parte da Higine em Belém.

Na volta ao Maranhão em 1903 o Dr. Bento Urbano se instala na cidade de Caxias no bairro Ponte. Quando a Peste Bubônica assolava a capital São Luís criando pânico nas cidades maranhenses em 1904, o Dr. Bento Urbano defendia que o trafego da capital até Caxias pelo rio Itapecuru fosse interrompido, pois não existia um local adequado para a quarentena de doentes e a doença corria o risco de se espalhar pelas cidades ribeirinhas. Importante lembrar que a navegação pelo Itapecuru era o único meio de ligação entre Caxias e São Luís. O Dr. Bento Urbano fez ainda diversas palestras no prédio da Câmara Municipal explicando a toda sociedade, que se exprimia para ouvir suas palavras, como evitar e tratar a doença.

O Dr. Bento se dirigia sempre que solicitado do Ponte até o centro da cidade para atender pacientes. Em 1906 ele resolve criar uma clínica na cidade para melhor atendimento. Essa clinica funcionou pelo menos até 1911 na cidade.

O Dr. Bento Urbano era uma figura de erudição que o destacava na sociedade. Em 1906 ele fora iniciado na Loja Maçônica Harmonia Caxiense que reunia naquele momento as figuras mais importantes de Caxias em seu seio. Foi um membro ativo e inclusive representando a Harmonia Caxiense em diversos eventos sociais em São Luís, como na visita do Senador Lauro Sodré (Grão Mestre do Grande Oriente do Brasil) a São Luís em 1911. Foi também um dos responsáveis pela fundação da Loja Maçônica Atalaia Codoense na cidade de Codó em 1910.

Em 1906 na visita do Presidente da República Afonso Pena a Caxias, o Dr. Bento Urbano foi uma das figuras da cidade a lhe dar as boas vindas. No jantar oferecido ao chefe da nação na residência de João da Cruz, o Dr. Bento Urbano fora um dos oradores da mesa oficial onde oferece brinde aos presentes.

No mesmo ano o Dr. Bento Urbano entra para a política. Se candidata a uma cadeira de Deputado para o Congresso do Estado (Deputado Estadual) onde acaba sendo eleito para o pleito 1907/1909. Eram seus amigos de parlamento vários Maçons que mantinha amizade como Ladislau Godofredo Dias Carneiro (Também da Harmonia Caxiense), Alcibíades Aguiar e Silva (Atalaia Codoense), Antônio de Castro Pereira Rego (Renascença Maranhense) e ainda o caxiense José Rego Medeiros e o intelectual Manoel Viriato Correia. No seu período como Deputado foi um grande crítico da inercia do Governo do Estado no tratamento das doenças como a varíola em São Luís. Árduo defensor da saúde pública no Maranhão. Disputou novamente as eleições para Deputado e fora reeleito para o pleito 1910/12.

Em 1911 o Dr. Bento Urbano embarca para Paris onde se especializa em doenças com o a sífilis como o Dr. Jean Alfred Fournier, uma das maiores autoridades no assunto no mundo, onde seu nome está associado a três termos médicos, como a Síndrome de Fournier, Sinal de Fournier e Tíbia de Fournier.

Em 1912 ele já se instala de vez na capital São Luís onde monta um consultório clinico para tratar de pacientes. Assim como em Caxias, Dr. Bento Urbano passa a ser figura frequente na alta sociedade ludovicense sendo sempre convidado a eventos sociais e políticos. Participa ativamente da caridade aos mais necessitados, como ajuda as crianças o que lhe rendeu um convite e fora aceito como Irmão da Santa Casa de Misericórdia em São Luís, fazendo parte de seu quadro social.

Em 1914 foi um dos idealizadores e fundadores da Sociedade de Medicina e Cirurgia do Maranhão, com objetivo de trabalhar pelo desenvolvimento da medicina e pelos interesses da classe. Foi seu Presidente o médico Oscar Galvão e o Dr. Bento Urbano o seu Orador.

Em São Luís fora ainda medico do Matadouro Modelo, Superintendente e Diretor do Serviço Sanitário, Secretário dos Negócios do Interior, Professor da Escola de Farmácia, Professor de Medicina Legal da Faculdade de Direito do Maranhão, Membro do primeiro corpo docente da Faculdade de Medicina do Maranhão fundada em 1930.

Após a década de 1930, já com seus sessenta anos de idade, continuava trabalhando ativamente pela saúde pública maranhense pelo interior. Foi medico em Coroatá, Codó, Monte Alegre, Axixá e Morros. Em 1944 foi chefe do posto médico na zona do Mearim, residindo na cidade de Pedreiras.

Esse grande medico humanista faleceu na madrugada de 09 de novembro de 1945, deixando viúva e filhos adultos. O Dr. Bento Urbano da Costa merece uma biografia. O povo maranhense deve essa homenagem a esse grande médico maranhense que deu a vida a saúde pública.

Texto e pesquisa: Eziquio Barros Neto